Renúncia sucessória é um tema que vem ganhando destaque no Direito de Família e Sucessões, especialmente após a recente decisão do TJ-SP que autorizou a renúncia antecipada ao direito sucessório entre cônjuges.
Neste artigo, vamos explorar os detalhes dessa decisão inovadora, sua fundamentação jurídica e as implicações práticas para o planejamento patrimonial no Brasil.
Acompanhe para entender como essa mudança pode influenciar o futuro do Direito Sucessório e ampliar a autonomia dos casais na gestão de seus bens.
Introdução
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) recentemente alterou seu entendimento sobre a renúncia antecipada ao direito sucessório entre cônjuges, trazendo um impacto significativo para o Direito de Família e Sucessões no Brasil.
Essa decisão, proferida pelo Conselho Superior da Magistratura, permite o registro de pactos antenupciais contendo cláusulas de renúncia ao direito de concorrência sucessória. A medida representa uma inovação no planejamento patrimonial, promovendo maior autonomia entre os cônjuges.
Este artigo explora a evolução jurisprudencial, os fundamentos legais e os impactos práticos dessa decisão, buscando entender como ela contribui para a modernização do Direito Sucessório brasileiro.
Contexto e Evolução Jurisprudencial
Historicamente, a jurisprudência brasileira é conservadora em relação a pactos sucessórios, interpretando que renúncias antecipadas ao direito sucessório seriam inválidas. A principal justificativa para isso é o artigo 426 do Código Civil, que impede que a herança de uma pessoa viva seja objeto de contrato.
Em 2023, por exemplo, o TJ-SP decidiu, na Apelação Cível nº 1022765-36.2023.8.26.0100, que a cláusula de renúncia ao direito sucessório em pactos antenupciais era nula, interpretando estritamente o artigo 426 como uma norma de ordem pública.
Esse entendimento, entretanto, gerava insegurança jurídica, especialmente no contexto de planejamento patrimonial em que os cônjuges pretendiam evitar conflitos sucessórios futuros.
Em outubro de 2024, no entanto, o TJ-SP reavaliou essa posição, admitindo a validade da cláusula de renúncia ao direito sucessório concorrencial em um pacto antenupcial, sob a premissa de que não se trata de um contrato sobre bens de pessoa viva, mas de um ato unilateral.
Assim, o TJ-SP decidiu, então, permitir o registro do pacto com a cláusula de renúncia, destacando a importância da autonomia privada dos cônjuges no planejamento patrimonial, considerando que tal renúncia visa apenas a abstenção da concorrência na sucessão.
Aspectos Jurídicos da Renúncia Antecipada
A renúncia antecipada ao direito sucessório envolve, principalmente, a interpretação do artigo 426 do Código Civil. Esse artigo, ao estabelecer que não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva, visa proteger o direito dos herdeiros necessários e a estabilidade das relações patrimoniais.
Contudo, a decisão do TJ-SP reconheceu que a renúncia antecipada não configura um contrato proibido, pois não se refere à disposição de bens, mas apenas à abdicação do cônjuge ao direito de concorrência sucessória com os herdeiros necessários.
Essa interpretação se alinha ao princípio da autonomia privada, um dos pilares do Direito Civil moderno, permitindo que as pessoas planejem o destino de seus patrimônios.
Ainda assim, esse entendimento encontra resistência em algumas esferas do Judiciário, uma vez que envolve um direito que, segundo alguns doutrinadores, seria indisponível até a abertura da sucessão, como determinam os artigos 1.784 e 1.804 do Código Civil.
A divergência entre interpretação do TJ-SP e a norma estabelecida torna evidente a necessidade de uma eventual reforma legislativa, que poderá oferecer mais segurança jurídica ao planejamento sucessório.
Divergências Doutrinárias
Na doutrina, o tema da renúncia antecipada ao direito sucessório é amplamente discutido. Autores como Maria Berenice Dias e Rolf Madaleno defendem que, embora o artigo 426 proíba pactos sucessórios, ele deve ser interpretado de forma restritiva, aplicando-se apenas a contratos que disponham diretamente sobre bens de uma pessoa viva.
Para esses doutrinadores, a renúncia antecipada ao direito sucessório em pactos antenupciais não conflita com a legislação brasileira, pois visa apenas afastar o cônjuge da concorrência sucessória, sem interferir nos direitos patrimoniais durante a vida dos cônjuges.
Em contrapartida, outros doutrinadores consideram a renúncia inválida, fundamentando-se na interpretação de que o direito sucessório só pode ser renunciado após a abertura da sucessão, conforme os artigos 1.784 e 1.804 do Código Civil. Para esses estudiosos, o direito de herança é uma norma de ordem pública e, portanto, indisponível até que ocorra o óbito do autor da herança.
Direito Comparado
No cenário internacional, diversos ordenamentos jurídicos aceitam a renúncia antecipada ao direito sucessório. No Código Civil Alemão (BGB, § 1941), por exemplo, permite-se a renúncia antecipada desde que formalizada por meio de escritura pública. Na Suíça, o artigo 468 do Código Civil aceita pactos sucessórios em determinadas condições. A Itália, por sua vez, autoriza a renúncia antecipada nos casos previstos no artigo 768 bis do Código Civil Italiano. No Direito Francês, o artigo 929 do Código Civil também permite expressamente a renúncia sucessória.
Esses exemplos evidenciam uma tendência à flexibilização da disposição patrimonial, respeitando a autonomia das partes e incentivando um planejamento sucessório que evita disputas e assegura maior previsibilidade.
A comparação internacional aponta que, para acompanhar as demandas sociais contemporâneas, o Direito brasileiro pode eventualmente adotar uma postura mais permissiva.
Perspectivas Futuras e Possibilidade de Testamento
A mudança no entendimento do TJ-SP indica que o Brasil pode estar caminhando para uma flexibilização das normas de renúncia sucessória. A previsão de um projeto de reforma do Código Civil, que discute o acréscimo do §2º ao artigo 426, permitindo expressamente a renúncia mútua em pactos antenupciais e de união estável, é um exemplo do avanço no reconhecimento da autonomia privada no planejamento patrimonial.
Além disso, cabe observar que a renúncia ao direito sucessório concorrencial não impede que o cônjuge renunciante seja beneficiado por um testamento. No Brasil, o testador pode destinar até 50% de seu patrimônio conforme sua vontade, incluindo o cônjuge renunciante, o que amplia as possibilidades de planejamento sucessório.
Dessa forma, é possível combinar a renúncia com a disposição testamentária, assegurando que a vontade do testador prevaleça e que o patrimônio seja distribuído segundo seu desejo.
Conclusão
A decisão do TJ-SP sobre a renúncia ao direito sucessório concorrencial em pactos antenupciais representa um marco importante no Direito Sucessório brasileiro. O entendimento de que a renúncia não configura pacto sucessório, mas apenas um ato de abstenção de concorrência, traz mais segurança jurídica e amplia a liberdade de planejamento patrimonial entre os cônjuges.
Ao reconhecer a autonomia privada como pilar fundamental, o TJ-SP aponta para uma possível modernização das normas sucessórias, que poderá ser consolidada em uma futura reforma do Código Civil.
Para os interessados em realizar um planejamento patrimonial seguro e juridicamente embasado, é recomendável a consulta com advogados especializados, que podem orientar sobre as melhores estratégias de sucessão, de acordo com o cenário atual e as perspectivas de mudanças legislativas.
Essa decisão é um importante passo para que o Brasil se alinhe com as práticas internacionais e atenda às necessidades de uma sociedade que busca cada vez mais autonomia em suas relações patrimoniais.